terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Subdimensionada, adutora não dá conta da demanda

A imagem mais famosa da seca está comumente restrita à Zona Rural. Contudo, em tempos de estiagem severa, os efeitos da falta de chuvas no interior potiguar chegou às cidades. Por conta de uma combinação de falta de infraestrutura do sistema atualmente em funcionamento e por dificuldades inerentes à estiagem, cidades como as da região Agreste do Estado estão tendo de economizar água, segundo gestores e agricultores entrevistados pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE. Além da seca, eles citam a incapacidade da adutora Monsenhor Expedito suprir a atual demanda.

Inaugurada em 1998, a adutora foi planejada para atender 22 cidades e cinco comunidades rurais. Com o passar do tempo, a responsabilidade da adutora, que capta água da Lagoa do Bonfim em Nísia Floresta e atende todo o Agreste, saltou para 30 municípios e 250 comunidades rurais. A vazão da água, de acordo com o secretário estadual de Recursos Hídricos, Gilberto Jales, nunca mudou, ficando sempre em 1,7 milhão de litros de água por hora. Ou seja, a adutora trabalha acima da sua capacidade. Isso levou a Lagoa do Bonfim ao limite da capacidade de fornecer água (veja entrevista de Gilberto Jales).

Tendo como pano de fundo a seca, a performance da adutora tem sido alvo de críticas praticamente em todos os lugares por onde ela passa. Em Nísia Floresta, por exemplo, moradores dos arredores da lagoa reclamam no nível da lâmina d´água. "Daqui a pouco não tem água nem para nós e nem para o sertão", gritou um morador enquanto a reportagem fazia as fotos que ilustram essa matéria. No interior, a reclamação é oposta. São Tomé, Lajes Pintadas, Campo Redondo, Coronel Ezequiel. Em todos esses lugares, o problema é falta de água limpa na torneira.

Em Lajes Pintadas, os dois chafarizes da comunidade Barro Preto são abertos apenas durante uma parte do dia. Passar por aquelas ruas é um cruzar constante com carroças repletas de tambores de água e animais de carga transportando baldes e bacias. Segundo o prefeito Nivaldo Alves, a Caern quis fechar os registros por conta da seca. "Nós fizemos um pedido pra continuar com o chafariz. A comunidade precisa", diz Nivaldo. A Caern nega. Segundo Ricardo Varela, os chafarizes que foram fechados pela companhia tiveram como motivo a falta de pagamento.

A cidade de São Tomé vê situação parecida. Os pontos onde a encanação da adutora é aberta têm horário específico para funcionar: das 06h às 14h, de acordo com José Janilson. O criador de gado tem conhecimento de causa. Com a seca, vendeu os 400 animais que possuía. Hoje trabalha fornecendo água para os agricultores da região, nos carros-pipa de sua propriedade. Um dos dois chafarizes da Caern fica em sua terra. Ele retira a água, vende aos proprietários e paga a conta do chafariz para a Caern. A "pipa" custa entre R$ 80 e R$ 120. A Caern, por sua vez, segundo o próprio Janilson, cobra entre R$ 25 e R$ 30 por carrada.

Em Campo Redondo, a água da adutora precisa ser misturada à água de um açude da região. Com a seca, a qualidade da água do açude diminuiu. "Além da coloração barrenta, tem um odor que incomoda. Não dá pra beber uma água dessa forma. A cidade inteira tem que comprar mineral", explica, José Severino da Silva, conhecido como Zé Leão, e que é o responsável pela defesa civil de Campo Redondo.

O sistema adutor Agreste/Trairi, abastecido pela adutora Monsenhor Expedito, tem um projeto de expansão. A ideia é cavar poços e diminuir, ou extinguir, a captação de água a partir da Lagoa do Bonfim. Serão 12 poços, dos quais quatro estão prontos. De acordo com Gilberto Jales, secretário de Recursos Hídricos, a obra deve ficar pronta até fevereiro do próximo ano.

Água: acesso cada vez mais difícil

A dificuldade de se obter água em algumas comunidades rurais do interior do RN se arrastam desde maio, mas tiveram uma paralisação "mágica" nos três meses de campanha política nas eleições municipais. Segundo relatos colhidos durante as entrevistas em algumas cidades do interior, a prática corrente dos candidatos era fornecer carros-pipa durante a eleição. Passado esse período a "ajuda" minguou e os produtores precisaram voltar a desembolsar entre R$ 80 e R$ 100 por "carrada" de água.

DivulgaçãoVazão atual da adutora Monsenhor Expedito exige ampliaçãod 
Vazão atual da adutora Monsenhor Expedito exige ampliação


Em São Tomé, por exemplo, os envolvidos nas eleições disponibilizaram quatro carros-pipa. Os carros tinham "cores" e "ideologias" específicas. Depois do período eleitoral, a oferta antes abundante de água sofreu um revés. Nos casos onde os candidatos foram derrotados, a dificuldade para conseguir manter a água antes doada é maior. "Aqui a água era mais fácil de conseguir antes, mas o candidato perdeu a eleição e ficou mais difícil", diz, um agricultor, que preferiu não se identificar.

Em uma comunidade rural de Santa Cruz, o relato é idêntico. Em Bom Sucesso, os reservatórios secaram. Da mesma forma, o fornecimento de água no chafariz foi cortado, numa medida de racionamento. "Enquanto tinha candidato, nós conseguíamos uma carrada de água para abastecer durante um mês", diz o agricultor Antonio Fernandes da Silva.

A única fonte de água da comunidade é um pequeno açude. A água tem coloração verde e um cheiro que chama a atenção desde uma certa distância. Antonio Fernandes coletava água desse reservatório durante a entrevista. Disse que era para os bichos. "Não dá pra gente beber isso aqui", fala.

Santa Cruz já tem racionamento

Entre todos os municípios visitados pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, o caso de Santa Cruz é um dos mais chama a atenção. Santa Cruz costuma enfrentar problemas de abastecimento de água. Mas não somente na Zona Rural. Segundo o Serviço Autônomo de Água e Esgotos (Saae), o motivo das dificuldades é a falta de estrutura da Adutora Monsenhor Expedito. A Caern discorda. "O caso de Santa Cruz é diferente, porque lá há um serviço local. Nós somente fornecemos a água", diz o diretor-técnico da Companhia, Ricardo Varella.
 DivulgaçãoDiretor do Saae, José Medeiros, reclama da qualidade da águaDiretor do Saae, José Medeiros, reclama da qualidade da água

O diretor do Saae, José Medeiros, afirma que a água ofertada pela adutora à Santa Cruz só consegue atender metade da área urbana. Somente uma, entre as comunidades rurais, é atendida pela água encanada. O resto depende dos açudes, barragens, etc. Ou isso ou carro-pipa. Mesmo na cidade, a água existente dá para 50% dos bairros. "Direcionamos a água para metade da cidade em um dia e para a outra metade no outro", diz José Medeiros. A Saae recebe mensalmente 180 mil metros cúbicos de água por dia, enquanto que o necessário seria pelo menos 360 mil metros cúbicos diariamente. Das quatro bombas existentes no sistema de abastecimento, duas funcionam a cada dia.

Se na cidade há uma espécie de "racionamento", nas comunidades rurais a situação é mais complicada. Na comunidade Bom Sucesso, a água dos chafarizes foi cortada, segundo moradores, por conta da seca e das dificuldades de abastecimento ocasionadas pela falta de estrutura da adutora Monsenhor Expedito.

Bate papo - » Gilberto Jales - secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos

O consumo de água aumenta em período de seca?
Sim. Há um aumento significativo que é consequência da própria falta de água nos reservatórios. Os moradores acabam recorrendo à água encanada, às adutoras, etc. Por isso, há um aumento nesse consumo, porque o cidadão quer dar água aos animais, quer usar a água para um jardim ou coisas do tipo.

Dá para mensurar esse aumento?
Não teria como mensurar, mas é um aumento real.

Existe algum tipo de racionamento nesse período do ano?
Não diria um racionamento, mas a Caern acaba tendo que reduzir a oferta de água em algumas localidades.

A Lagoa do Bonfim está com o nível de água abaixo do permitido?
Não, mas está realmente no limite, até por conta da seca no Estado.

Foi necessário diminuir a oferta de água por conta disso?
Ainda não, mas se no próximo ano não houver chuva ficaremos numa situação realmente complicada.

Tribuna do Norte

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